quinta-feira, 17 de março de 2011

Dia 21 de Fevereiro de 2011

Em tempos tive uma amiga muito especial, mas acabei por estragar tudo e já há bastante tempo que nao nos falamos, no entanto, esta carta pode nunca chegar à destinatária - Antes de mais, eu não sei se alguma vez vais ter acesso a esta carta, não sei onde nem como estás! Não sei o que estavas a fazer neste preciso momento nem mesmo no que tu estás a pensar sequer, mas eu gostava de te dizer algumas coisas, só é pena que não as possa dizer pessoalmente! Tenho tanta coisa para te dizer que nem sei por onde deva começar! Eu admito que a maneira como a nossa amizade terminou e o porquê, não foram as melhores, e também admito que tive culpa, muita culpa, no esquema, mas, depois destes meses e passados mais de dois anos, que estou arrependida e que esses erros me fizeram crescer por muito que isto pareça um cliché, aplicado à minha existência, é um facto consumado. Eu estava há pouco a reler as três cartas que tu me enviaste entre o mês de Julho e o mês de Setembro de 2006 e não pude deixar de recordar todos os momentos que passamos juntas: as brincadeiras e até mesmo as zangas. Acho que houve muita coisa que ficou por dizer, ainda que eu perceba o teu desinteresse, e não o censuro, em me ouvir. Apesar de tudo, eu não consigo guardar rancores em relação às pessoas, é claro que há uma outra excepção, mas tu não fazes parte dessa excepção. Antes de te conhecer, eu só tinha tido uma amiga de verdade, e não era a Marina, porque e apesar de ela ter sido da minha turma desde o quinto, isso não quisesse dizer que fossemos amigas. Eu só comecei a considera-la amiga, a partir do oitavo ano. Essa amiga de que eu estou a falar, chama-se Cecília, mas, por incrível que pareça, nós não nos zangamos nem nada parecido, simplesmente, os meus avós paternos não gostam dos pais dela (que são primos do meu pai) e as zangas entre eles acabaram por nos afastar. Mas, isto realmente não te interessa, enfim, ela foi a minha primeira melhor amiga. Hoje, não nos falamos. Ela cresceu e já não interessa pela minha amizade. Lembro-me de quando éramos pequenas, eu ia brincar para a eira (a eira é uma espécie de terraço em frente a um barracão antigo com portas de madeira onde se guardavam os cereais e as alfaias agrícolas, eu não sei se tu sabes do que eu estou a falar) da casa dela, que é ao lado da minha: brincávamos com as bonecas e fazíamos outras brincadeiras das quais eu já não me recordo; quando eu estava no quinto ano, se não estou em erro, e me mudei para a Gualdim, ela andava no oitavo ano e me ajudou a orientar na escola e me ajudava com os trabalhos de casa. Depois, quando ela saiu da Gualdim, eu fiquei sozinha, mas na altura, não sei se era por ser ingénua ou não, aquilo não me atormentava muito. Muitas das pessoas que eu conheço agora, só as conheci no secundário. Então, era só eu, e eu e os livros da biblioteca da Gualdim e mais ninguém. Tal como eu imagino que tu tenhas sofrido com o tratamento que alguns colegas te davam, eu também sofri imenso e isso acompanhado com os alguns choques que eu apanhei na primária e em casa só me fizeram sentir ainda mais isolada. Eu nunca me encaixei em nenhum grupo, eu era uma estranha. Nessa altura, a única pessoa com quem eu falava era a minha prima Cátia. Raramente, nos víamos mas quando isso acontecia, divertíamo-nos imenso. Numa das vezes em que eu dormi em casa dela, ela ensinou-me a andar de patins e eu adorei, apesar de ter batido algumas vezes com o rabo no chão. Provavelmente, algumas destas coisas eu nunca te contei, ou se contei, já não me recordo. Simplesmente, eu não me encaixava naquela escola, mas também, quem se iria quer importar com uma miúda como eu?! Enfim. Quando mudei de turma, não me senti mais feliz por isso, numa ou noutra eu sabia que não havia lugar para mim. Apesar de tudo o que aconteceu, eu tenho que agradecer por me teres dado o benefício da dúvida e teres vindo ao meu encontro. Hoje eu sei porque me trocaram de turma e, apesar de o motivo não ser dos melhores, eu não estou arrependida de te ter conhecido. Eu acredito que as pessoas aparecem na nossa vida por alguma razão, quanto mais não seja para nos abrirem os olhos e nos abanarem quando não estamos a ser correctos, é o que eu penso hoje. Houve momentos que passamos juntas que eu não quero esquecer nunca: nós no café ao lado da escola com a Andreia, a Marina, o Gonçalo e às vezes, o Pedro; as nossas brincadeiras; e muitas outras coisas que eu simplesmente não quero esquecer. Lembraste quando fomos passear no cemitério de Pombal?! Tu insistes-te e eu já nem me lembro do porquê! Mas acho que aquele passeio teria sido bem divertido à noite! Lembraste quando íamos para a internet no centro cultural em Pombal?! Ou quando íamos para o shopping?! Bem, as coisas que eu tinha que inventar para a minha mãe me deixar ficar em Pombal até mais tarde quando tínhamos a tarde livre. A partir do oitavo ano, a escola era o meu escape para os problemas em casa. Mesmo que nunca me chegues a perdoar: uma coisa é certa, eu não posso dizer que não fui feliz, nesses dois últimos anos na Gualdim, assim como na secundária. Se não o dissesse estaria a ser hipócrita. Voltando ao porquê de eu ter sido transferida de turma, a minha mãe sempre desviou a conversa mas, há pouco tempo ela contou-me a verdade: ela disse que ela e a minha DT do 7º ano estavam preocupadas com o meu isolamento e pelo facto de eu não falar nas aulas e andar sempre sozinha. E acharam que seria melhor para mim se eu mudasse de turma para conhecer outras pessoas. Segundo a minha mãe, elas achavam que eu era aquilo ao que chamo de retardada, só porque não gostava de falar para as pessoas e por andar sempre sozinha ou enfiada na biblioteca. Foi o que a minha mãe me explicou. Mas, retardada ou não, ainda bem que ela o fez, porque eu tive a oportunidade de te conhecer, ainda que tenha estragado tudo com o meu mau génio. Outra razão para eu ter que te pedir desculpa era o facto de eu estar constantemente a falar do Steven. Agora eu percebo quanto irritante eu era. Deves ter apanhado grandes secas à custa da minha cabecinha estúpida. Sabes, eu podia ter sido bem mais feliz se eu não o tivesse visto nem reparado nele. Eu abdiquei de alguém que gostava de mim por causa de estar de queixo caído por ele. E não estou a falar do Sérgio, mas acho que neste momento e sabendo no que essa pessoa se tornou, acho que não perdi nada em o ter rejeitado. Mas, o que sabia eu com treze anos?! Há uma situação engraçada em que eu fui a palhaça de serviço: lembraste de um dia em que nos estávamos a dar uma volta pela Gualdim e estava um dia chuvoso?! E lembraste do que é que fiz quando começou a chover bué de repente?! Fui abrigar-me debaixo de uma árvore sem folhas enquanto tu foste para a entrada da porta da rádio! Que cena tão triste a minha! Bem, eu há pouco tempo contei essa à minha irmã e ela fartou-se de rir às minhas custas. As vezes pergunto-me porque é que o tempo não pode voltar atrás! Se eu já tinha o inferno em casa naquela altura, hoje, a situação não só se mantém como está a piorar de dia para dia. Eu já não tenho forças para me conseguir erguer quando o barco está a afundar a uma velocidade estonteante. Hoje eu posso dizer que a minha casa é uma casa de malucos: a minha mãe anda insuportável por causa das asneiras e das atitudes do meu pai, ainda que eu saiba que ele já nos tenha abandonado há muito tempo; o meu irmão só se mete em confusões na escola e está na fase da rebeldia; a minha irmã tornou-se numa autêntica pega, enquanto eu só pude sair a partir dos dezoito anos e nunca o fiz, a minha irmã começou a sair aos dezasseis, apanha bebedeiras vergonhosas, sai as escondias de casa, grita com toda a gente, tem noites que não dorme em casa, está mais manienta e estúpida do que nunca e pensa que o mundo gira à volta dela; o meu pai deu cabo de duas décadas de vida da minha mãe, endividou-se até não poder mais, só se lembra de nós quando precisa de dinheiro e nunca se preocupou connosco; e eu, bem, eu estou desempregada e tive que desistir do meu maior sonho, que era concretizável, por causa do meu pai. Ora diz lá se isto não é uma família de doidos?! Ainda assim, eu tenho pais, ainda que a minha família não seja nada parecida com o que eu gostava que fosse, comparando com as famílias dos meus amigos. Sem falar nos meus avós paternos que sempre infernizaram a vida à minha mãe e nalgumas das minhas tias que são umas invejosas e sempre a meter o bedelho em tudo…Não sei se sabes, mas eu fiquei mais um ano na secundária, porque os três exames que eu fiz sem preparação de inglês foram um autêntico desastre. A escola estava em obras. A escola estava mudada e haviam imensos alunos novos. Muitas das pessoas que eu conhecia foram para a universidade e na secundária, fiquei eu, o Elton e mais umas miúdas minhas conhecidas que tal como eu também tinham disciplinas em atraso. Inscrevi-me numa turma de 10º ano, da área de ciências e tecnologias, na verdade foi a minha mãe que me inscreveu porque eu estava a trabalhar longe de casa na altura. Ela podia ter-me inscrito na de humanidades, pois tinha história, mas ela não sabia. Não me identifiquei com ninguém e apenas uma miúda chamada Liliana falava comigo. O pessoal da turma ficou admirado por eu já ter dezoito anos. Enfim, eu era e sou baixinha e as outras miúdas, algumas com catorze anos, eram bué altas e magríssimas. Tal como eu, também a Liliana tinha dificuldades a inglês, enato eu fiz uma coisa que eu nunca tinha pensado fazer, inscrevi-me voluntariamente nas aulas de apoio e tornei numa estudante aplicada, aquilo até parecia anedota para a minha mãe, ainda que ninguém acreditasse que eu fosse conseguir fazer a disciplina de inglês, excepto eu, que não me achava assim tão incapacitada para o fazer. Eu fazia todos os trabalhos de casa, e a minha professora mandava bués, e tínhamos por período um trabalho de apresentação oral em inglês, do género do que nos fazíamos para Português. Eu estudava e ia almoçar com a minha amiga Liliana. Mas uma coisa que me intrigava era porque é que aquela turma de betinhos não aceitava a Liliana, que tal como eles, tinha uns paizinhos ricos e vestia roupas de marca?! Mas, ao invés deles, ela não me excluiu. Depois, havia o Angel. Que ao contrário do que pensavam, não significava nada para mim, além de ser um amigo. Ele convidou-me para ir com ele para o Canadá há mais de um ano e eu aceitei, ainda que eu soubesse que as pessoas mudassem de ideias de projectos montes de vezes, principalmente quando se tem dezassete anos. Mas se a oportunidade aparecesse, eu não hesitaria duas vezes. No dia do exame de inglês, a professora vigilante era a nossa professora de Francês do 10º ano. Como a vida pode ser irónica, não é?! Eu estava nervosa, mas confiante. Acho que nunca tinha estado tão confiante em toda a minha vida. Eu ia fazer aquele exame por mim e pelo meu futuro mas também para provar às pessoas que eu não era nem sou burra nenhuma. No tempo de aulas, não tinha negativas nos testes, à excepção de ter tido um nove no primeiro teste e, eu fiz seis testes. No último tive treze, ponto nove. Se o exame escrito correu bem, então o exame oral superou as minhas expectativas. Eu só queria tirar um dez em ambos os exames, no oral e no escrito. No escrito, tive treze ponto um ou ponto dois e no exame oral tive dezassete. Bem, quando a professora me tinha dito que eu tinha estado a falar durante quinze minutos seguidos em inglês, eu até fiquei sem ar (o exame oral previa vinte minutos de avaliação), mas o que ajudou foi o facto de não estarem outros alunos na sala, pois eu estava muito mais relaxada. A minha nota final foi de catorze e foi essa noite que ficou como média na lingua estrangeira. Bah, estava tão entusiasmada com a escrita que acho que falei de mais. Adiante. Voltando ao sonho que eu tive que esquecer: eu já tive que abdicar de muita coisa na minha curta existência, mas esta foi a que mais me custou, a seguir à tua amizade. Eu inscrevi-me e fiz o exame de história e nem sei como tirei a nota que tirei, sem ter estudado grande coisa pois estava a trabalhar e não tinha tido tempo para estudar quase nada. Eu trabalhava das nove da manhã até, muitas das vezes, à uma e tal da madrugada. Aquele trabalho era um inferno, mas mesmo assim trabalhei lá durante dois verões seguidos. Nesses verões não tinha folgas. No primeiro verão só fiz mês e meio e ainda fui de férias na primeira semana de Setembro para o Algarve, mas no segundo eu fiquei dois meses e um dia de Setembro encarcerada naquela espelunca de restaurante. Só sai uma vez e durante quinze minutos mais ou menos, e ainda consegui ir à praia, que ficava lá ao lado para molhar os pés depois de ter ido com a minha colega lá a um bar beber um copo e eu sei que por a minha colega, ela queria dançar o resto da noite em vez de ir para o restaurante, mas não podia ser. Num espaço de dois meses, passaram nove empregados diferentes por aquele restaurante e grande parte deles nunca tinha trabalho ou, tido a necessidade de esforçar para ter algo na vida, eu ensinei cinco miúdas, tanto no trabalho de ajudante de cozinha, assim como a servir à mesa, mas elas não aguentaram muito tempo lá. Bem eu até acho que tu te passavas se trabalhasses lá. Os patrões adoram rebaixar os empregados e só estão felizes quando os empregados estão de mau humor ou sobrecarregados de trabalho, já para não falar das insinuações maldosas da patroa pelo facto de eu me dar bem com o rapaz que trabalhava na churrasqueira do dito restaurante e pelas bocas do patrão quando nós falávamos com as raparigas que trabalhavam nos restaurantes ao lado do deles. Posso dizer-te que: a melhor parte do dia era quando íamos ao mercado ou quando íamos despejar o lixo nos contentores, esta última parte parece desconfortável só para não lhe chamar outra coisa, mas estas eram a únicas alturas do dia em que nos poderíamos sair debaixo do olho de bruxa da patroa e de poder apanhar um pouco de ar e, claro, de ver o mar. no primeiro ano, a minha irmã trabalhou comigo ed quando tínhamos que levar o lixo era uma guerra, não por a minha irmã querer estragar a manicura mas por ela querer ir só para ir passear e nem tampouco queria por as mãos na massa, neste caso no caldeiro do lixo. Mas adiante, que eu já estou a divagar de novo. Na noite de 30 de Setembro saíram os resultados das entradas para a faculdade. Eu já estava a espera de ter entrado em Évora, quando a marinha me liga e me diz, aos gritos de alegria, que eu tinha entrado na universidade de Coimbra e na minha primeira opção (Arqueologia e História). Eu devia ter ficado feliz mas, ao invés disso, eu senti um grande aperto no coração, pois eu já sabia que não podia arranjar os papéis para a bolsa e o dinheiro que eu tinha na minha conta bancaria mal dava para as propinas. Nessa noite, o meu mudo desabou por completo.

Sem comentários:

Enviar um comentário